Reestruturar o “Modus Faciendi” do ato médico

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Reestruturar o “Modus Faciendi” do ato médico 2018-04-30T17:29:25+00:00

A Sociedade introduziu mudanças drásticas na práxis clínica ao ponto do doente passar a designar-se por utente, o beneficiário ser hoje acionista do Serviço Nacional de Saúde, o médico apenas um funcionário público e o pagador subiu a gestor, patrão ou juiz dos seus desempenhos.

A consulta médica passou a ser considerada um serviço, a que se atribui um tempo de duração fixo, um preço e um valor estatístico. Um histograma apelativo tem hoje mais valor que um sorriso agradecido dum doente.
Por outro lado, o médico é obrigado a responder mais às exigências do gestor do que às interrogações dos doentes, ocupando o seu tempo a dialogar obrigatoriamente com o computador, quando o acto médico desde Hipócrates consiste na comunicação entre dois seres, o clínico e o doente, sem interferência de terceiros.

Lembremos no entanto, que um estado só é viável se tiver uma população saudável. Para que tal aconteça é indispensável o recurso à classe médica. Nessa realidade reside a “força” dos seus profissionais. Na verdade, uma nação composta por doentes e inválidos torna-se débil do ponto de vista financeiro, económico, cultural e social, perdendo a capacidade de se afirmar como sustentáculo de um estado independente e auto-suficiente. Como corolário, a área de saúde tornou-se preocupação relevante dos políticos e atractiva para investidores de grandes grupos económicos e financeiros nacionais e internacionais. Se o investimento em educação ou em investigação científica é a chave do futuro de um país, o investimento em saúde é a certeza do presente e do futuro dum estado.

Tal realidade, de resto, justifica que ao longo da história houvesse sempre um terceiro, que tudo fizesse para se intrometer entre o médico e o doente. O poder social, o religioso e agora o financeiro sempre se perfilaram para impedir esse diálogo exclusivo e profícuo, criando barreiras, ao exercício profissional livre e humanizado. Deste modo a relação médico-doente atingiu um índice de qualidade que não agrada a nenhuma das partes. Verifica-se o crescimento em efectividade estatística, enquanto se diminui a afectividade para com o doente. Para unir efectividade com afectividade, ou seja construir o binómio alta tecnologia-humanismo, torna-se necessário reestruturar o modus faciendi do acto médico. Desde logo dando protagonismo ao diálogo médico-doente, secundarizando os recursos tecnológicos, tão correctamente designados por meios auxiliares ou complementares de diagnóstico.

Julgo ser a hora dos médicos assumirem perante tais obstáculos, que a sua obrigação é tratar os seus Doentes, e não, apenas curarem as suas Doenças.
Proponho que se preocupem mais com as pessoas e não com as estatísticas. Com a qualidade e não apenas com a quantidade dos seus desempenhos.

A saúde dos nossos doentes será tanto mais defendida quanto maior for a liberdade de acção dos médicos e sobretudo, se no acto médico for privilegiada a COMUNICAÇÃO humanizada, fluída, empática, tecnicamente perfeita, processada num clima de elevação, intimismo e cordialidade, permitindo a coexistência solidária, por respeitar a dignidade humana, sem dificultar a diálise interpessoal. O diálogo médico-doente deve deste modo ser hoje o primado das preocupações dos clínicos.

Carlos Ribeiro

(Médico e humanista, é médico cardiologista e professor catedrático jubilado da Faculdade de Medicina de Lisboa)